sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A arte de criar palavras ou de “bilhar” à “bilhardice”

1. A Linguística e as Artes

É estranho, no sentido de ser invulgar, alguém da Linguística participar numa actividade artística. O que é que a Linguística, a ciência que estuda a linguagem por si só, sem qualquer outro objectivo, tem a ver com um projecto artístico? É comum haver pontes entre a Literatura e a Arte, como se pode constatar com o trabalho de Luísa Cunha, embora indicasse que as frases cultivadas não são do domínio das Letras, mas das Artes. Essa ligação sucedeu com o Surrealismo, onde se juntaram escritores e pintores. Com a Linguística, entendida como disciplina científica, não me lembro de nenhuma interligação, embora me tenham falado da arte conceptual. Contudo, a linguagem usada pela Arte parece-me específica o suficiente para merecer alguma atenção por parte da Linguística. Todos conhecemos a origem da palavra “impressionismo” e o valor que ela tinha quando foi pela primeira vez usada. Empregue, de início, em sentido pejorativo, completamente depreciativo, evoluiu positivamente. Os títulos dos quadros ou de outras obras de arte, mesmo a sua ausência, terão pertinência e poderiam constituir um corpus de trabalho linguístico, mas não tenho ideia que isso tenha, alguma vez, sido realizado. A Linguística, mesmo delimitando o seu campo de acção e os seus instrumentos de trabalho, definindo o seu objecto de estudo, pode colidir com áreas de outros saberes, nomeadamente, e entre outros, com a Física, a Filosofia ou a Medicina. A minha intervenção neste projecto não se explica, portanto, pelas afinidades entre a Linguística e a Arte, mas, simplesmente, creio eu, porque há uma palavra, “bilhardice”, que interessou a um artista, Ricardo Barbeito, e que me interessa a mim, enquanto estudiosa da linguagem.

2. A arte de criar palavras

O que significa “bilhardice”? É provável não ser esta a questão mais pertinente, de momento, porque, por certo, todos os madeirenses, genuínos ou por afinidades, a sabem usar e, consequentemente, acabamos por saber o que significa. A questão premente será a de saber porque dizemos “bilhardice” na Região Autónoma da Madeira, quando noutras partes do mundo lusófono, incluindo, sobretudo, Portugal Continental, são usados outros termos. Só para dar alguns exemplos: “mexerico”, “coscuvilhice” ou “bisbilhotice”. Assim, a questão incidirá sobre a importância dos regionalismos. A propósito, o que é um “regionalismo”? Em sentido lato, podemos dizer que será algo característico de uma determinada área geográfica bem delimitada, encontrando-se apenas nela e não existindo, à partida, noutras. A feitura do bolo do caco é regional; o bordado Madeira é regional, aliás, a própria designação remete para a geografia; as levadas caracterizam a Madeira, os palmitos são próprios do Porto Santo. Num sentido mais restrito, poderemos considerar algum vocabulário, dito, sobretudo, popular, como os regionalismos madeirenses. Tanto quanto os produtos mencionados, as palavras “semilha”, “tapassol” (tapa-sol) ou “bus(z)ico” são próprias da região. Que eu saiba, não existem noutros lugares, a não ser onde haja comunidades de emigrantes madeirenses. Contudo, há termos próprios desta região que são comuns a outras, a saber, “prisão”, “batata”, “pereira”, “horário” ou “bilhardar”. Sim, “bilhardar” é uma entrada de dicionário de língua portuguesa. Então, há, essencialmente, dois grandes tipos de regionalismos linguísticos: os originais, que não ocorrem noutras zonas, como “semilha”, “tapassol” (tapa-sol) ou “bus(z)ico” e os de sentido original, que ocorrem noutras zonas, mas não com o sentido que lhes é atribuído nesta região, como “prisão” (gancho de cabelo), “batata” (que se distingue de “semilha” porque identifica apenas a batata-doce), “pereira” (a árvore que dá pêra abacate), “horário” (o autocarro) ou “bilhardar” (falar da vida alheia).
Vendo bem as coisas, os termos originais indicam que a criatividade não é só artística, isto é, das Artes, mas é também linguística. O ser humano é, potencialmente, um criador de palavras. Se é certo que recebe um património linguístico, também é evidente o facto de lhe ser permitir inovar, dando, à comunidade, o fruto da sua criação. Isso é evidente com a terminologia científica, mas frequente com o falante comum. O que motivará a criatividade linguística? A necessidade de adequação à novidade, o que é notório no domínio tecnológico, essencialmente no ramo da informática, será um factor impulsionador de neologismos. Criar palavras novas obedece, todavia, a determinados critérios. No português, seria impossível ter sequências de cinco ou seis consonantes, sem haver um som vocálico pelo meio. Os signos linguísticos, o que comummente designamos por “palavras”, são convencionais e resultam de hábitos colectivos. Caracterizam-se pela sua arbitrariedade. Como indicado por Ferdinand de Saussure, linguista impar, porquê dizer “irmã” para aquilo que representa? Poderíamos usar outro signo, por exemplo, “mirã”, embora a etimologia seja, por vezes, determinante. Também é possível criar termos a partir de outros já existentes. Estes serão menos arbitrários. É o caso de “guarda-chuva” ou “guarda-sol”, formados por “guarda” e “chuva” ou “sol”. Recordo-me, a propósito, de um termo que representa uma espécie de “guarda-chuva” que protege do sol, mas não tem as dimensões do “guarda-sol”. Trata-se da “sombrinha” indicada para o sol, mas que se pode usar também para a chuva. Portanto, a criatividade dos falantes não tem limites. Actualmente, dizemos, com frequência, “ciao”, quando nos despedimos de um amigo. Porquê fazê-lo quando temos “até logo”, “até amanhã”, “até à próxima” ou “adeus”? Porquê usar uma palavra de origem italiana? É um hábito que se instala e se torna comum. Temos dificuldades em dizer quem começou a usá-lo e porquê, mas constatamos o uso generalizado. Já alguém me lembrou que não deveríamos dizer “olá” ou “oxalá” porque remetem para “Alá” que não pertence à nossa cultura judaico-cristã. Contudo, quem é que pensa nisso quando diz “olá”? Quando um hábito, linguístico ou não, se difunde, enraizando-se numa determinada colectividade, torna-se próprio dessa cultura e só os falantes o poderão rejeitar, chegando até a esquecê-lo. Deste modo, há regionalismos que caíram em desuso e outros que perduram.
Pode parecer que me afastei do meu tema. Desenganem-se. Só quero demonstrar que mesmo havendo uma palavra que serve o que pretendemos, outras se lhe podem sobrepor por diversas razões. A pergunta é, então, esta: se já há uma palavra com um determinado sentido, para quê criar outra com o mesmo? Uma vez que o português falado na Região Autónoma da Madeira não é, substancialmente, diferente das variedades faladas no Continente português, ideia que permitiu a Paiva Boléo considerar a unidade da língua portuguesa maior do que a sua diversidade, porquê haver aqui uma palavra com o mesmo sentido de outra que já existe? Serão “bisbilhotice” e “bilhardice” o mesmo? Dependerão da escolha do falante? Variarão consoante o nível de língua? Ouvi, na região, frases como estas: “o teu saco não é nada bilhardeiro” e “os teus armários não são bilhardeiros”. Poderíamos usar nestas frases “bisbilhoteiros”? Querem, em ambas as frases, dizer que não se consegue ver o que está dentro do saco ou do armário, isto é, não são transparentes, não revelam o que contêm. Será este o sentido original de “bilhardeiro” ou de “bilhardice”?

3. De “bilhar” a “bilhardice”

Para procurar a etimologia das palavras, as suas raízes, temos, obrigatoriamente, de recorrer a dicionários. A minha pesquisa inicia com alguns dicionários gerais da língua portuguesa, alguns dos que tinha à mão: Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, Grande Dicionário da Língua Portuguesa coordenado por José Pedro Machado, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa e Grande Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo. A pesquisa passa também por um dicionário de francês e, finalmente, termina com alguns vocabulários regionais: Palavras do Arquipélago da Madeira de Emanuel Ribeiro, Elucidário Madeirense e Vocabulário Madeirense, Vocabulário Popular do Arquipélago da Madeira. Alguns Subsídios para o seu Estudo do Padre Fernando Augusto da Silva, Falares da Ilha. Dicionário da Linguagem Popular Madeirense de Abel Marques Caldeira, Vocabulário do Dialecto Madeirense de Jaime Vieira dos Santos, Dizeres da Ilha da Madeira. Palavras e Locuções de Luís de Sousa, Ilha da Madeira. II Estudos Madeirenses de Eduardo Pestana, Porto Santo. Monografia Linguística, Etnográfica e Folclórica de Maria de Lourdes de Oliveira Monteiro (dos Santos), Os Falares da Calheta, Arco da Calheta, Paúl do Mar e Jardim do Mar de João da Cruz Nunes e o Vocabulário do romance “Minha Gente” de António Marques da Silva. Corro o risco de esquecer alguma fonte importante, mas o objectivo, aqui, também não é o de citar todas as existentes. Portanto, o levantamento será o mais breve e sistemático possível, realçando as repetições dos diversos dicionários e destacando o que têm de original para a palavra “bilhardice” e palavras da mesma família.

3.1. Os dicionários gerais

Para o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa e Fundação Calouste Gulbenkian, bilhardar vem do francês “billarder” e tem os seguintes significados: 1- Tocar ou bater, no jogo de bilhar, duas vezes na bola ou em duas bolas ao mesmo tempo, com o taco; fazer carroça. / 2- Jogar a bilharda. / 3- Pop. Levar vida de vadio, de mandrião. Este último sentido é de reter e sublinho-o por isso mesmo. Portanto, se vem do francês, não foi uma palavra criada pelo falante português. Foi, apenas, adaptada à nossa língua. Há, na definição, a referência a dois jogos: “bilhar” e “bilharda”. Veja-se o que este dicionário adianta a propósito de cada um: a- bilhar vem do francês “billard”, ou seja, ‘taco para mover as bolas’. O termo designa, simultaneamente, o jogo em si (1- “Jogo praticado com três bolas pesadas e rígidas que, impulsionadas por um taco de madeira, deslizam sobre uma mesa especial.”), a mesa onde é jogado (2- “Mesa rectangular (…), onde se pratica o jogo com o mesmo nome.”) e a sala onde é realizado (3- “Sala equipada para a prática deste jogo.”) b- bilharda: (Do fr. billard) – definições sintetizadas: 1- Jogo tradicional de rapazes, que consiste em fazer saltar, com um pau, outro mais pequeno, de modo a que este seja projectado o mais longe possível e não caia num círculo traçado no chão. 2- Pau mais pequeno, aguçado nos dois lados, usado nesse jogo. Este dicionário tem também uma entrada para bilharista: s. m. e f. (De billar + suf. -ista ) – 1- Jogador de bilhar. Há igualmente entradas para bisbilhotar: (Do it. bisbigliare ‘ murmurar ’) 1- Deprec. Procurar saber factos, aspectos da vida privada de outras pessoas. = coscuvilhar / 2- Falar acerca da vida privada de outras pessoas. = coscuvilhar, mexericar / 3- Mexer nos objectos pessoais de outras pessoas. = esquadrinhar, remexer / 4- Investigar com interesse ou curiosidade. = examinar // para bisbilhoteiro: s. ou adj. (De bisbilhotar + suf. -eiro) - 1. Pessoa que se intromete na vida alheia, que procura saber factos e segredos das outras pessoas, que é dada a bisbilhotar. = coscuvilheiro, mexeriqueiro // para bisbilhotice: (De bisbilhotar + suf. -ice) – 1- Acto de observar ou ouvir de um lado para depois ir contar no outro, de forma maliciosa. = coscuvilhice, enredo, mexerico.
No Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, registam-se as mesmas entradas e, sensivelmente, as mesmas definições, mas contam-se, também, entradas e definições diferentes das assinaladas pelo dicionário anterior (sublinho as que poderão ter interesse): Bilhar = (do fr. billard, de bille) – 1- Jogo / 2- Mesa / 3- Casa / 4- Sala // Bilharda – 1- Pau adelgaçado de um jogo de rapazes que exige outro pau mais comprido / 2 - Pau menor do jogo / 3 = pénis // Bilhardar – 1-Tocar duas vezes na bola ou em duas bolas a um tempo, no jogo do bilhar / 2- Jogar a bilharda. / 3- Vadiar. // Bilhardeira (de bilharda) - Mulher de levar e trazer, intrigante, que anda de casa em casa dando notícias, etc. (Não é assinalado como regionalismo)// Bilhardeiro (de bilharda) – 1- O vadio que joga a bilharda. / 2 = bilhardão // Bilhardona (de bilhardão) – 1- Mulher vadia // Bilharista s. 2 gén. (de bilhar) - 1. Jogador de bilhar // Bisbilhante adj. 2 gén. ( de bisbilhar) – 1- Que bisbilha; murmurante, tremelicoso. // Bisbilhar (do ital. bisbigliare ?). 1- Mumurar, falando-se especialmente das águas. / 2-Tremelicar // Bisbilho (de bisbilhar) – 1- Acção de bisbilhar. // Bisbilhotar v. tr. e intr. 1- Intrigar, enredar; mexericar; dar fé / 2- Segredar / 3- Examinar, esquadrinhar // Bisbilhoteiro (de bisbilhotar) – 1- Pessoa que tem o vício de segredinhos, enredos, mexericos, que se mete na vida dos outros ou procura saber dos actos e segredos alheios // Bisbilhoteria – 1- Bisbilhotices, mexericos // Bisbilhotice – 1- Enredo, mexerico / 2- Observação maliciosa do que se passa para depois contar e intrigar.
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa do Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, encontram-se detalhes que nenhum outro dicionário menciona, por exemplo, a datação das palavras : bilhar (1770) - (…) ETIM. fr. billard (1399) ‘bastão ou taco para jogar pequena bola’, der. de bille < lat. medv. billia ‘tronco de madeira’ + suf. Fr. –ard; f. aport. D. 1750; a palavra passou a designar o jogo, a mesa do jogo, por fim o local do jogo; var. divg. port. bilharda (1770) // bilhardar (1899) – 1- no jogo, bater duas vezes com o taco na bola ou impulsionar duas bolas de uma só vez/ 2- jogar a bilharda / 3- viver ociosamente, estar ocioso; vadiar, mandriar / ETIM. PROV. bilharda + -ar, sob infl. do fr. billarder (1704) ‘id. ‘ O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª ed. revista e ampliada, Ed. Nova Fronteira, 1ª 1986, não traz nada de, realmente, novo e regista as mesmas entradas que os anteriores [bilhar, bilharda, bilhardar – pop. vadiar, mandriar, bilhardeiro – 1. jogador de bilharda, 2. Pop. Vadio, mandrião, bilharista]. Para bisbilhotar, e uma vez que não se registaram grandes diferenças, assinala-se, apenas, o seguinte detalhe [Var. (bras. pop.): esbilhotar].
O Grande Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo é o único que tem a entrada com o regionalismo madeirense, a par das entradas comuns aos restantes dicionários mencionados: bilha Prov. O mesmo que bilharda // bilhar // bilharda (Da mesma or. que bilhar) // bilhardão (= bilhardeiro, vadio)// bilhardar (Fr. billarder) Pop. Vadiar // bilhardeira, f. Mad. Mulher enredadeira, mexeriqueira. // bilhardeiro - Jogador de bilharda. Vadio, garoto. // bilhardona - Mulher vadia (De bilhardão) // bilharista - Jogador de bilhar
Em síntese, “bilhardice”, não é entrada de dicionário, pelo menos não é um termo atestado pelos dicionários indicados, porventura, os mais conhecidos da língua portuguesa. Registam, porém, palavras da mesma família, como “bilhardar”, “bilhardeiro” e, até, “bilhardeira” no sentido do regionalismo madeirense. Segundo a datação existente, “bilhardar” é do século XIX. Portanto, tudo leva a crer que “bilhardice” será desse século ou, então, mais recente. Estão, os termos indicados (“bilhardar”, “bilhardeiro” e “bilhardeira”), relacionados com os jogos do “bilhar” e da “bilharda”, resultando de um uso popular que aponta para “vadio”. Como os três vêm do francês, “bilhardice” também aí deve ter a sua origem. Assim, antes de mencionar os vocabulários madeirenses, convém consultar um dicionário de francês porque, por aquilo que se viu, a grande diferença entre “bilhardice” e “bisbilhotice” é que a primeira vem do francês e a segunda do italiano, já que a nível de datação poderão ser contemporâneas. O dicionário de francês consultado foi: Dictionnaire du Français contemporain e trouxe a informação que se segue: Billard – 1- jeu / 2- Fam. Passer, monter sur le billard, subir une opération chirurgicale (= monter sur la table d’opération) / 3- Fam. Cette route est un vrai billard, elle est plane et d’un entretien parfait / 4- Pop. C’est du billard, ça va tout seul, c’est très facile (syn. : ça va comme sur des roulettes). Encontra-se também uma palavra que pode ter alguma importância para “bilhardice”: Billevesées – 1- Paroles vaines, frivoles; sans rapport avec la vérité (emploi littér.) : N’écoutez pas ces billevesées (syn. : BALIVERNES, FADAISES). Il a traité de billevesées tous les projets présentés (syn. : CHIMÈRES, UTOPIE). Raconter des billevesées (syn. SORNETTES, SOTTISES). Não encontrei registo para billader. Nenhum detalhe, na definição francesa, faz supor que o significado atribuído a “bilhardice”, na região, provenha, directamente, da definição de “bilhard”. Resta, portanto, percorrer alguns vocabulários madeirenses para verificar o que se pode encontrar de particular para “bilhardice”.

3.2. Os vocabulários regionais

Não encontrei nenhuma entrada, nem de “bilhardice”, nem de palavras da mesma família, em Porto Santo. Monografia Linguística, Etnográfica e Folclórica de Maria de Lourdes de Oliveira Monteiro (dos Santos), no Elucidário Madeirense, no Vocabulário Madeirense, Vocabulário Popular do Arquipélago da Madeira. Alguns Subsídios para o seu Estudo do Padre Fernando Augusto da Silva ou em Dizeres da Ilha da Madeira. Palavras e Locuções de Luís de Sousa. Apenas a entrada “bilhardeira” é atestada em Palavras do Arquipélago da Madeira de Emanuel Ribeiro: “Bilhardeira – Diz-se da mulher que, divulgando um segredo, provoca enredos.”, no Vocabulário do romance “Minha Gente” de António Marques da Silva, vêm assinalados os termos: “Bilhardeira ou Belhardeira – Coscuvilheira”. Em Falares da Ilha. Dicionário da Linguagem Popular Madeirense, da autoria de Abel Marques Caldeira, regista-se, apenas “Bilhardar, Ver[bo]. Conversar. Falar muito sobre a vida dos outros.. – A senhora Maria já ‘tá lá-lem a bilhardar, há mais ‘duma hora. Rapaz, muito tem ela que falar na vida de cada um…”. Eduardo Antonino Pestana, em Ilha da Madeira. II Estudos madeirenses, apresenta, sinteticamente, “bilhardar: mexericar” e “bilhardeiro: mexeriqueiro”. Curiosamente, insere um termo que não ocorre noutros vocabulários citados: “bilhaustreira: mexeriqueira”. ”Em Os Falares da Calheta, Arco da Calheta, Paul do Mar e Jardim do Mar de João da Cruz Nunes, mais precisamente na página 144, há uma entrada para o verbo e outra para o substantivo feminino: “Bilhardare [sic] (v. i.) – Falar na vida alheia. Bisbilhotar. Intrigar / Bilhardeira (s. f.) – Mulher que passa a vida a bilhardar [sic]”. Só em Vocabulário do Dialecto Madeirense de Jaime Vieira dos Santos, Revista Língua Portuguesa, vol. VIII p. 148, é assinalada a entrada “bilhardice” a par do verbo e do substantivo masculino e feminino: Bilhardar – “Murmurar, falar da vida alheia.” / Bilhardeiro, “a - que fala da vida alheia.” / Bilhardice – “falso testemunho, aleivosia. Aquelas raparigas nam fazem senão bilhardar. Obs. – É vulgaríssimo em tôda a Ilha.”

4. Síntese: “bilhardice” e “bilhar”

De tudo o que afirmei, fica claro que “bilhardice” é uma palavra criada com base em “bilhar”, tendo uma origem francesa. Distingue-se, portanto, de “bisbilhotice” que tem uma origem italiana e um sentido etimológico diferente. Eis como de um jogo (bilhar ou bilharda) se passa para a noção de vadiagem (bilhardar) e de vadio (bilhardeiro), chegando, finalmente, à ideia de falar da vida alheia (bilhardice), como sucede com as bilhardeiras da TSF-Madeira, um programa diário com bastante sucesso devido à bilhardice.

Bibliografia


CALDEIRA, Abel Marques (1993). Falares da Ilha. Dicionário da Linguagem Popular Madeirense. Coordenação de José Abel Caldeira. 1ª edição de 1961, Funchal: Eco do Funchal.

FIGUEIREDO, Cândido de (1986). Grande Dicionário da Língua Portuguesa. Bertrand. 1ª ed. 1939, 23ª ed..

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2005). Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia – Portugal. Lisboa: Temas e Debates.

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001). Academia das Ciências de Lisboa e Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa: Verbo.

Dictionnaire du Français contemporain. Spécial enseignement (s/d). Paris: Larousse.
Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1996). 1ª ed. Publicações Alfa, Sociedade da Língua Portuguesa, 1991, coordenação de José Pedro Machado. Lisboa: Círculo de Leitores.

MONTEIRO (dos Santos), Maria de Lourdes de Oliveira (1950). Porto Santo. Monografia Linguística, Etnográfica e Folclórica. Separata da Revista Portuguesa de Filologia. Coimbra: Editora Casa do Castelo.

Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª ed. revista e ampliada, Ed. Nova Fronteira, 1ª 1986.

NUNES, João da Cruz (1965). Os Falares da Calheta, Arco da Calheta, Paúl do Mar e Jardim do Mar dissertação inédita de Licenciatura. Lisboa: Universidade de Lisboa,
PESTANA, Eduardo Antonino (1970). Ilha da Madeira. II Estudos Madeirenses. Funchal: ed. Câmara Municipal.

RIBEIRO, Emanuel (1929). Palavras do Arquipélago da Madeira. Porto: Maranus.
SANTOS, Jaime Vieira dos. Vocabulário do Dialecto Madeirense Revista Língua Portuguesa, vol. VIII.

SILVA, António Marques da (1985). Vocabulário do romance “Minha Gente” Crónica Romanceada (livro póstumo). Funchal: Secretaria Regional do Turismo e Cultura, Direcção Regional dos Assuntos Culturais.

SILVA, Padre Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de (1998). Elucidário Madeirense. Funchal: Secretaria Regional do Turismo e Cultura – Direcção Regional dos Assuntos Culturais, 3 vols. (1.ª ed., 1921-1922).

SILVA, Padre Fernando Augusto da (1950). Vocabulário Madeirense, Vocabulário Popular do Arquipélago da Madeira. Alguns Subsídios para o seu Estudo. Funchal: Junta Geral do Funchal.

SOUSA, Luís de (1950). Dizeres da Ilha da Madeira. Palavras e Locuções. Funchal: Ed. de autor.


Helena Rebelo
Universidade da Madeira

terça-feira, 20 de maio de 2008

Querido Primo por Diana Pimentel


“Querido primo,
Espero que esta te encontre bem...”



não há muito tempo mas parece tanto era assim que eu pressentia escrever-te.
era uma carta mas entretanto troquei-te e troquei-me as voltas
ou foi do sol que ardeu no último fim-de-semana de abril

ou do vento leste que quase (por muito pouco) não me tocou (eu estava longe da ilha – li nas notícias a previsão do tempo; leste? leste!? agora não se diz como sempre se disse “abril águas mil”...?).
? ou terá sido do voo (ou da viagem) que então me aconteceu (madeira/lisboa a planar // lisboa/porto a guiar)?
ou foi do regresso (porto/madeira a aterrar)?

foi com certeza da bilhardice que esta semana súbita e espantosamente nos apareceu, em tons quentes (vermelho vivo vermelho escuro), cores no CORação da cidade (e branco, a giz, a corrector, a lápis e a caneta, umas de feltro, outras bic (“escrita fina, escrita normal”...)
tantas letras a declarar o que não sabemos dizer em alta voz... eu não sei...)


trouxe o posto, estamos a postos, apertem os cintos de segurança (jornais? “chá, café, larajada...?”); vou contar-vos uma história: chama-se (disseram-me...) “boa viagem / boarding pass”. (confesso que sinto que “ler é muito mais difícil que escrever”...)

era uma vez cada um de nós – ilhéus, ilhoas, cubanos e madeirenses, estranhos e estrangeiros – portugueses todos, fumadores ( alguns)

todos sabemos que “fumar prejudica gravemente” a nossa saúde “e a dos que nos rodeia” mas – quase sem querer eu li em letras grandes e gordas num dos “postos de escuta” e de escrita pousados nesta cidade: “A bilhardice faz bem à saúde”. ora, não há melhor remédio...

ontem ao passar por esta avenida ao acaso e quase quase à hora do ocaso encontrei uma rapariga que falava uma língua estranha (turco? grego?)
disse chamar-se Rhodes e era muito mas mesmo muito antiga (do século XVI ou XVII, não me lembro bem)

explicou-me que nesse tão antigo passado era uma ilha e a ela se tinham encostado barcos, barcarolas, caravelas, cascos e mastros de dia por tanto tempo e sob os astros como faróis em terra firme firme 

muitos anos depois – contou-me entre a sé e o golden gate – tinha aderido ao “Movimento Nacional Feminino” (eram anos de guerra – eu não sei qual, mal tinha nascido – e escreviam-se aerogramas (uma espécie de envelopes sem papel, de cor parda “edição exclusiva” manuscritos enviados a favor dos “soldados de Portugal” por “correio aéreo” um presente da TAP dos anos 60 e 70...)

nesse tempo a sempre menina Rhodes correspondia-se com um garoto a quem tinham dado nome de rio (e de cão, já agora, sobretudo no norte, como muitos de nós sabemos...), era o Douro.

o rapaz nem era mau rapaz... às vezes – a brincar, entre bilhardices... – riam-se e perguntavam: vens de espanha ou és português...? quando desaguas no atlântico, encontras o minho ou segues oceano dentro? É que o gaiato tinha mesmo nascido numa terra minhota... 

essa vila era – e ainda é (concelho de Monção, distrito de Viana do Castelo) – Barbeita e na escola (ali um pouco acima do largo, logo a seguir a uma palmeira que entretanto foi crescendo como as nossas pernas e tem um sombra forte e alta como a região: Alto Minho)
bom, na escola a professora tinha-lhe ensinado que o nome da terra – Barbeita – era ancião (que é como quem diz velho sem ofender e valioso sem envaidecer demasiado, só um bocadinho...) e que tinha deslizado – como quem escorrega na neve ou na relva, devagarinho – da Galiza até ao primeiro rio da fronteira de Portugal (acho que isto em linguagem séria se diz que o nome Barbeito tem uma “origem peninsular” e que hoje – hoje mesmo, dia 7 de Maio – continua a haver um ramo insular, sem S, Barbeito, e um outro (eu cá acho que é o mesmo mas não sei...) galhinho ou ramo, BarbeitoS, como ensinou a professora, galego, que descende de uma outra cidade parecida com esta mas espanhola, pontevedra.
a verdade verdadinha desta história toda (ainda falta um bocadinho...) é que a Rhodes (que assim esguia alta e debruçada na areia perto do mar parece uma ilha ou uma sereia, não sei bem) e o Douro (que tem nome de rio e há tanto tempo atravessa o atlântico)
a Rhodes e o Douro que se conhecem há séculos
andam por aqui (agora agorinha..., não digam nada...)
vieram juntos num avião que desenhou riscos no céu
andam a ler sinais linhas desenhos um novo alfabeto nas galerias do Funchal 
demoram-se nos jardins – perdem o olhar e as palavras entre os jacarandás em flor e as árvores do fogo, encadeados, alcançados –
sentam-se, conversam, calam, falam falam falam
e depois – é urgente, não tarda há outra maré, a sétima onda, outra estação, o próximo voo e o “porto aqui tão perto” – fixam em película fotográfica momentos “para mais tarde recordar” 
a cores “serviço expresso”, na loja “foto sol” (numa rua chamada fernão ornelas, a caminho do mercado, explica o mapa que trazem na mão)
reparam entretanto na placa 
que lhes fala de “saudades de ouvir as suas (as nossas?) cassetes de música antigas” e pedem ajuda. “consulte-nos”, pede a placa e ambos consentem
(pedem a morada, talvez lhas enviem por correio e os hits re-voltem pela mão do carteiro cd’s muito novos agora sim, modernos, tão cheios de clássicos de todos os tempos)

lembram-se de repente ao andar pela rua Direita 
que lhes faltam tintas pincéis rolos pregos e cordéis (os quadros por pendurar nas paredes por pintar, em casa
a casa a que ambos voltarão de volta de novo)
Casa de Santo António 
e um número de telefone estranho escrito na fachada (no hotel tinham dito que o indicativo da região era 291, este parece de um outro lugar estranho...) era uma marca efémera que se tornou estranha (mas não errada, apenas estranha; se ligarmos, alguém atenderá?)


ainda há tempo pouco mas bastante
anda há lugar para diversões um jogo de bilhar 
(ou de snooker, à inglesa), um copo num bar “três estrelas”
poncha, da tradicional, se faz favor
telefonar para casa, ver a caixa de correio electrónica
encomendar sonhos 
encomendam sonhos
têm tempo de esperar que se façam
que arrefeçam
e de os provar 
sim, nesta cidade de espanto de encanto (que encanto.
canto a canto. que canto), algures perdida numa rua muito pequenina há uma “fábrica de sonhos”
(não contem, é segredo nosso...)

Rhodes e Douro voltarão a casa, por dentro da
“sombra das nuvens no mar” 
uma sombra olhada acima do mar acima das nuvens
lêem e vêem um mapa imenso de lugares e de mares por conhecer e aprender 
no banco do avião lerão estas palavras: “Há o contar os contos. Há o fazer as contas. Há ainda a cantiga. E então descemos até aos barcos e proa erguida frente às nuvens aterramos em Marte. (...) E depois há ainda isto. Amar-te sem dizer. Mas que passado já na tormentosa vaga no vácuo se prolonga. E assim chegámos à baía das línguas e dos lugares.” (E. M. Melo e Castro algures).

(para mim esse lugar é aqui aqui aqui. agora agora
nesta quase ágora entre tanta tanta água

Primo,
foste tu que descobriste que “barbeito” é “uma terra em pousio” (vinha escrito num livro enorme, lembras-te, claro.)
e “barbeito” é também um muro que une os contornos da terra cultivada (vinha no dicionário...)
ou a primeira colheita de um terreno (aprendi num livro antigo).
este que está aqui, por exemplo, é para ti. 
obrigada por me ensinares isto. e – quase sem quereres mas sabendo (imagino eu) – porque os postos de bilhardice que tu inventaste me lembram marcos de correio (eu gosto muito de marcos de correio marcas de correspondência marcas marcas),
daqueles marcos de correio dos antigos, vermelhos, altos e fortes, como aquele ali em frente, à saída do Teatro

vês ? vemos vamos ver ?
vamos. escreve-me
de volta na volta do correio escreves?

diana
funchal/lisboa, 24 de abril – porto/lisboa, 07 de maio ‘2008

Tribuna da Madeira 19-05-08

OPINIÃO
Data: 19-05-2008

“A Bilhardice” de RICARDO BARBEITO

“Promover a curiosidade, a reflexão, a questionação acerca dos objectivos da Arte Contemporânea”*… Este é o principal objectivo de qualquer projecto de Arte pública.

Esta questão vem a propósito de um projecto agora em exibição, promovido pela Funchal 500 Anos / CMF, em parceria com a Universidade da Madeira. O projecto chama-se “A Bilhardice”, e é da autoria do jovem artista plástico Ricardo Barbeito.

Sempre incentivei à concretização de projectos de arte pública no Funchal. Isto porque as instalações, performances, etc., fazem parte da evolução das Artes Plásticas, que há muito se vêm afastando do tradicional cavalete. Não é que as artes em termos tradicionais tenham deixado de existir, muito pelo contrário. Esta nova e contemporânea expressão só vem cimentar e incentivar a todos os processos de intervenção artística, fomentando ao diálogo e à reflexão sobre estes assuntos, indispensáveis para a sua dinâmica. E mais, nada disto é assim tão novo… mas isso fica para outra ocasião.

Só raramente no Funchal acontecem eventos de arte pública. Existe muita animação de rua noutros sentidos, mas a concretização de projectos de Arte Contemporânea expostos na rua, onde as pessoas vivem e circulam, é difícil de levar a bom termo. Porque estes projectos não são comerciais, e por conseguinte é extremamente difícil aparecerem candidatos a sponsors. Os seus objectivos são puramente estético-artísticos, e dificilmente se descobre uma empresa disposta a associar o seu nome a uma acção deste género. Ainda por cima é pouco usual acontecerem eventos desta natureza na cidade, portanto os nossos conterrâneos compreendem-nas mal, interessando por isso pouco a eventuais mecenas a seu apadrinhamento.

Mas este artista conseguiu concretizar o seu projecto. Vivamente recomendado pela Universidade, na pessoa da Professora Doutora Isabel Santa Clara, Ricardo Barbeito conseguiu interessar instituições públicas e entidades privadas na sua Instalação. Parabéns por isso, não deve ter sido fácil. É um exemplo para os outros, a nossa cidade bem precisa de projectos públicos de Arte Contemporânea, que por serem públicos cheguem a muitas pessoas, provocando o interesse e o diálogo acerca destas questões que normalmente não provocam muito interesse da parte do público em geral.

A Instalação que Ricardo Barbeito trouxe agora ao Funchal, é uma divagação sobre um fenómeno que já foi diversas vezes definido na cultura madeirense: “A Bilhardice”. Não é propriamente exclusivo da nossa terra, será certamente uma constante de todos os meios pequenos. No entanto, pelas inúmeras vezes que já foi assumida e tratada, ganhou previlégios de característica principal e especial da ilha Madeira.

Cheio de sentido de humor, com isso tudo brinca Ricardo Barbeito. O artista chama a atenção dos transeuntes através da colocação de pequenas cabines nos passeios públicos, “postos de bilhardice” como as chama. Com as indispensáveis “persianas”, equipamentos habilmente concebidos para se ver sem se ser visto… Ricardo Barbeito complementa esta acção com uma exposição/instalação central no Salão Nobre do Teatro, e diversas mesas redondas e intervenções de especialistas, onde estes assuntos das artes velhas e novas, publicas e privadas,. são debatidos.

Se o fotógrafo norte-americano Spencer Tunick fotografa, em nome da arte, multidões de corpos nus em locais públicos, se em nome da arte o artista de origem búlgara Javacheff Christo embrulha monstruosos edifícios públicos, Ricardo Barbeito concebe uma acção pública adaptada à vida sócio-cultural madeirense: sugere locais próprios para o amadurecimento e gestação da bilhardice regional. Assim, desafio todos a participarem em “A Bilhardice”. É uma acção nova, recente, contemporânea, com a frescura e o interesse próprios de todas as novíssimas coisas. E, para além disso, tem piada.


TERESA BRAZÃO

Diário de Notícias 11-05-08

O recolher obrigatório da bilhardice
Postos de bilhardice encontraram-se no Teatro baltazar Dias
Data: 11-05-2008

O 'Estado de Sítio' próprio das noites de sábado levou ontem ao recolher obrigatório dos 'Postos de Bilhardice', como medida preventiva contra males maiores.

Isto mesmo explicou ao DIÁRIO o artista plástico Ricardo Barbeito, que falou da necessidade de proteger os postos da 'ventania' que invade a cidade, movida pela euforia própria da febre de sábado à noite.

Os postos, da tão madeirense bilhardice, são parte integrante de um projecto multidisciplinar de arte pública efémera, happening/instalação. Inspirados na arquitectura civil da Madeira estiveram durante uma semana na Avenida Arriaga, em diversos pontos estratégicos, que definiram um trajecto até à instalação principal no Salão Nobre do Teatro Municipal Baltazar Dias. Seis dias em que foram alvo da intervenção pública e do público, que escreveu mensagens, colou fotografias, desenhou, abriu e fechou persianas. Seis dias que transformaram os "postos de bilhardice" vermelho vivo numa mescla de letras brancas, azuis, pretas. Mensagens, desabafos, desejos, vontade de rir, pretextos, e traduções livres de "bilhardice" para diversas línguas.

Tudo isto terminou ontem ao fim da tarde. Os postos, transportados pela força de vários braços, percorreram toda a Placa Central até junto da instalação mãe. Reunidos no átrio do Teatro Municipal Baltazar Dias, ali ficaram para, como explicou Ricardo Barbeito, cumprirem uma nova função: "ficarem a postos para ouvirem as conversas no intervalo da peça 'Elas sou eu'." Com o 'recolher obrigatório" dos postos de bilhardice recolheram-se também mensagens e intervenções da cidade, que ao longo desta semana mataram saudades desse velho hábito madeirense da bilhardice. A bilhardice assim exposta na placa mais central da cidade. A bilhardice a recolher mensagens, a fazer esquecer o 'sms', subitamente substituído pela caneta e o giz. A 'exposição-mãe' ainda pode ser hoje visitada, num projecto que pretende chamar a atenção para as especificidades do quotidiano regional, no que diz respeito à cultura, à linguagem, e à conjuntura artística actual, e que abarca aspectos relacionados com diferentes áreas do saber, aglutinadas numa linguagem artística que visa a reflexão, a ironia, a questionação e a crítica, em relação a um dos aspectos mais característicos do Homem como ser social - a comunicação.

Raquel Gonçalves

Diário de Notícias 09-05-08

5 Sentidos
Arte em lugares inesperados
Data: 10-05-2008

'Bilhardices' foi tema da palestra proferida ontem por Isabel Santa Clara, no Teatro Baltazar Dias, no âmbito da 'Bilhardice, projecto de intervenção estético-artística para a cidade do Funchal', do artista Ricardo Barbeito. Integrando um conjunto de imagens, a intervenção foi uma oportunidade para ver lugares possíveis de arte contemporânea, atendendo a que hoje, conforme referiu a professora da UMa, "as intervenções artísticas aparecem nos lugares mais inesperados".

Isabel Santa Clara estabeleceu o relacionamento entre a intervenção de Ricardo Barbeito, que decorre até amanhã na Avenida Arriaga e no Baltazar Dias, com experiências efectuadas por outros artistas, em outras cidades e épocas.

Alexandre Melo, outro dos oradores, considerou o trabalho de Ricardo Barbeito "muito conseguido e muito estimulante, pelos vários níveis de reflexão e de intervenção que permite". O crítico de arte evidenciou, entre outros aspectos, a riqueza formal da intervenção. "Parte de objectos, como as persianas que fazem parte da vida quotidiana e da memória histórica das casas, e submete-os a metamorfoses, que lhe dão outra forma de presença, quer em termos de estrutura quer em termos de interacção com a cidade, em especial com as pessoas que circulam".

O projecto de Ricardo Barbeito visa, segundo o artista, "a ironia, a reflexão a crítica em relação a um dos aspectos mais característicos do Homem enquanto ser social: a comunicação".

T.F.

Diário de Notícias 07-05-08

Casos do dia



Instalações de artista aparecem vandalizadas
Data: 07-05-2008



Algumas das instalações colocadas por toda a cidade a fazer promoção da exposição do artista plástico Ricardo Barbeito apareceram deslocadas do sítio inicial onde tinham sido colocadas.

Uma delas, que se encontrava exposta na Rua João Tavira, apareceu ao contrário e terá sido arrastada até perto da estrada onde circulam os automóveis.

Ontem à tarde alguns transeuntes pararam em frente à 'janela de cor vermelha' com a frase 'Posto de bilhardice' e tentavam perceber a intenção do artista.

O autor do projecto, Ricardo Barbeito, não se incomodou com a situação. Apesar de desconhecer quem terá movido a instalação ficou satisfeito porque "é sinal de que as pessoas estão a interagir com o meu trabalho", salientou deixando escapar alguns risos.

Não deixou de ser uma ideia original por parte de Ricardo Barbeito por ser inovadora e provocatória chamou a atenção das pessoas que circulam nessas artérias.

Muitas desconhecem o objectivo outra preferem associar-se ao artista madeirense e deixaram marcas pessoais como assinaturas e outras mensagens. Todos podem colaborar através da inscrição de uma frase, relembrou Ricardo Barbeito, que na oportunidade disse ter achado interessante a frase de alguém: 'Aqui vou ser feliz'.

Filipe Gonçalves

Jornal da Madeira 06-05-08

Tema de exposição e conferências no Teatro Municipal do Funchal
Bilhardice invade passeios do Funchal



Os “postos de bilhardice” que Ricardo Barbeito espalhou ontem pelas placas centrais da Avenida Arriaga suscitaram, desde logo, a curiosidade e divertimento dos que passavam pelo local. O objectivo é mesmo esse, conforme diz o artista, que espera que o público participe neste evento dedicado a formas de comunicação. Uma exposição e um ciclo de conferências no Teatro completam o projecto sobre “A Bilhardice”.

Alguns «postos de bilhardice» estão espalhados pelas placas centrais da Avenida Arriaga. O objectivo deste projecto de Ricardo Barbeito é o de promover uma intervenção estético-artística irónica e cheia de humor que, simultaneamente, convide as pessoas à comunicação.
O projecto está inserido nas comemorações dos 500 anos da cidade do Funchal e inclui uma exposição e um ciclo de três conferências sobre o tema da bilhardice, que estão a decorrer no Salão Nobre do Teatro Municipal Baltazar Dias.
A exposição no Teatro é constituída por uma instalação de som e luz, naquilo que o artista considera ser uma expressão de arte contemporânea.
Referindo-se aos “postos de bilhardice” que se encontram nas placas centrais entre a Sé e o Teatro, Ricardo Barbeito explicou que estes eram os locais onde mais se propiciava o velho hábito da “bilhardice” no Funchal. O vermelho escolhido para a pintura desses elementos reporta para a cor dos postos de Correio e das cabines telefónicas londrinas, sítios que representam áreas da comunicação humana.
Conforme disse o artista plástico madeirense, este projecto «pretende chamar a atenção para as especificidades do quotidiano regional, para a cultura, para a linguagem e para a conjuntura artística actual».
Ricardo Barbeito disse que «o público está convocado a participar no debate», podendo fazê-lo quer usando os referidos postos, quer através de opiniões expressas no site www.ricardobarbeito.com.


Conferências no Teatro

Quanto ao ciclo de conferências, a primeira foi realizada ontem e teve como convidada a artista plástica Luísa Cunha.
A artista confessou não ser muito dada a aceitar convites oficiais, mas garantiu não ter hesitado um momento quando recebeu o convite de Ricardo Barbeito, a quem nem conhecia. «Este convite foi a coisa mais divertida e absolutamente inédita que me aconteceu na vida», disse Luísa Cunha, que já viveu alguns anos na Madeira e conhece o tema da bilhardice. Aliás, conforne disse, a sua obra está muito associada a este tema.
Refira-se que no dia 7 de Maio, pelas 18 horas, Carlos Valente, Diana Pimentel e Helena Rebelo darão a sua visão sobre esta temática.
O ciclo termina a 9 de Maio com uma conferência dada por Alexandre Melo e Isabel Santa Clara.